Crônica: Os Desejáveis Indesejáveis do Sistema

Um dia desses eu empurrava esta carcaça chamada corpo pelo centrão de Goiânia quando passei ao lado de um indivíduo horripilante. Suas roupas eram farrapos! Seu cabelo era um emaranhado de seboseira! Sua pele era uma crosta escura de sujeira! Ele era um verdadeiro arauto da Derrocada da Civilização!

Denominei-o de “indivíduo” porque creio que ele não tem RG, CPF, tampouco Certidão de Nascimento. Talvez ela não exista para a burocracia do poder público. É um desses desejáveis indesejáveis do sistema.  

É indesejável porque poucos o toleram por perto, então a maioria finge não vê-lo. Mas ao mesmo tempo, sua existência miserável é aceita. Em suma, é uma presença que encaramos como ausência.

E ele é desejável porque nosso modo de vida produz e precisa desses miseráveis. É fato que o capitalismo produziu alguns avanços. Mas a que custo? E, principalmente, para quem? Nossa civilização necessita desses indivíduos horripilantes. Eles convêm. Para haver o bem-aventurado, é preciso que também exista o mal-aventurado. Para haver os viventes apressados, é preciso que também existam os defuntos ambulantes.  

E chegamos ao ponto (des)civilizacional de alguns (des)formadores de opinião proclamarem coisas como “Tá com pena? Leva pra casa!”.

São coisas tristes de se ouvir.

E todo maldito dia encontramos mais e mais arautos da Derrocada da Civilização.

O Bicho

(Manuel Bandeira)

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Como referenciar esta crônica?

DAMASCENO, Thiago P. M. História na Medina (Crônicas), 04 set. 2019.

Disponível em: https://historianamedina.com/cronica-os-desejaveis-indesejaveis

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