É curioso e principalmente sádico o modo como os discursos dos poderosos tentam moldar a realidade. Toda vez que protestos populares explodem em qualquer canto do mundo, os meios jornalísticos tradicionais tentam subverter a ordem das coisas: colocam os protestos e seus “vandalismos” como absurdos e se esforçam para forjar esquecimentos aos motivos de tais atos, como corrupção política, ataques à dignidade da população menos privilegiada por meio da violação de direitos previstos em leis e até assassinatos cometidos por agentes do Estado.
George Floyd, negro estadunidense, foi morto devido à asfixia causada por um policial que o assassinou – literalmente – agachado e com as mãos nos bolsos! Todas as mortes são trágicas, mas o modo como Floyd foi assassinado escancara o sistema racista e violento em que vivemos! Floyd foi assassinado de forma intencional e leviana tal qual uma formiga que é pisoteada de propósito e sem o mínimo remorso!
E em todo o mundo há muitos Georges Floyds: de diferentes etnias, credos, gêneros e crenças. Já passou do tempo de o mundo explodir em uma revolta, em escala global e conjunta, contra toda essa opressão dos poderosos, os mesmos poderosos que tentam, com os seus discursos, criar uma realidade invertida onde a vítima é colocada como algoz e onde a reação do oprimido é colocada como ataque inicial.
E neste Brasil sem rumo e sem porteira é comum encontrarmos pessoas que compram esses discursos dos poderosos e injetam em suas veias ideias que deslegitimam quaisquer protestos e reações populares a partir de uma empatia invertida: sentem piedade das vidraças e dos bens materiais “vandalizados”, não dos sofrimentos populares ou das mortes que motivaram tais atos.
Por isso, deixo nesta crônica uma mensagem aos desavisados e/ou ingênuos que têm compaixão por vidraças: nos poupem de suas pseudoelegâncias e pseudovirtudes! Nos poupem de suas piedades aos poderosos que nos massacram! Nos poupem de seus sentimentalismos baratos aos bens materiais daqueles que nos oprimem! Se não for para ajudar com pelo menos um fósforo aceso para pôr fogo no mundo, nos poupem de seus discursos vazios!
Com tudo que estamos sofrendo, qualquer barril de pólvora é pouco!
Não há vandalismo maior do que matar um negro de forma sádica e descarada! Não há Casa Branca em chamas que se equipare a isso!
Não há vidraça de banco estilhaçada que se equipare ao que o trabalhador médio brasileiro sofre diariamente!
Não há Palácio da Alvorada em chamas que se equipare ao que passamos hoje com esta pandemia e um governo-quadrilha perverso!
Se for preciso que o mundo arda em chamas para que o fogo, com sua poesia demoníaca, crie um mundo melhor, então que o mundo queime!
Toquemos fogo no mundo!
Como referenciar esta crônica?
DAMASCENO, Thiago P. M. Protestos & Compaixão por Vidraças. História na Medina (Crônicas), 02 jun. 2020. Disponível em: https://historianamedina.com/cronica-protestos-e-compaixão