Não queremos sua água de fogo
ela não mata nossa sede
Não queremos sua foice
ela não abre nossos caminhos
Não queremos sua bateia
ela não peneira nossas riquezas
Não queremos seu bacamarte
de nada ele nos protege
Não queremos sua astúcia enganadora
e nem sua coragem assassina
Não queremos suas glórias
e nem os louros das suas vitórias
Seu triunfo camufla nossas dores,
mas não queremos o seu esquecimento,
pois nossos mortos merecem ser lembrados
para que renasçam sempre que cada lufada de vento solar
soprar pelo cerrado que resiste sob o céu cinzento
e abençoa todos os marginais sedentos por justiça
e se estende dias e noites Brasil adentro
pelas chapadas onde verdejarão
os nossos destinos
Não queremos velhos diabos
nem deuses genocidas
Queremos a queda da sua figura
a derrubada da sua homenagem
os farrapos da sua honra
e a falência da sua linhagem
Semearemos na terra e no asfalto
as histórias que nos dizem respeito
Nascerão árvores majestosas
com sementes a que temos direito
Louvaremos nossos quilombos e aldeias
faremos monumentos em tributo
às forças ancestrais que nos rodeiam
De uma vez por todas é a nossa vez!
Nossa voz mata a nossa sede
Nossos braços abrem nossos caminhos
Nossa força ergue nossas riquezas
Nossa coragem nos protege
Nossa astúcia nos mantêm vivos
Cravaremos na garganta do medo
todas as nossas vitórias
Seremos as cores, as folhas e as palavras
dos futuros livros de história
Para nós, motumbá!
Para você, nenhum axé!
Para o novo amanhã, saravá!
Comentado o Poema Anhanguera
No dia 31 de março deste participei do debate de lançamento do curta-metragem Nenhum Genocida de Pé na Casa de Vidro. Esse curta registrou a performance artística de protesto de grupos feministas, em 04 de novembro de 2021, no monumento ao bandeirante, localizado no centro de Goiânia.
O monumento é uma estátua de Bartolomeu Bueno da Silva Filho. Ele e seu pai ficaram conhecidos como “Anhanguera” 1º e 2º, termo que significa “Diabo Velho” em tupi. Reza a lenda que essa alcunha foi dada pelos indígenas ao Anhanguera 1º após ele atear fogo numa tigela com aguardente para impressioná-los, ameaçando pôr fogo nos rios e fontes caso eles não informassem onde havia ouro. Esses 2 bandeirantes paulistas realizaram suas bandeiras (expedições) em Goiás do final do século XVII ao início do XVIII. Essas expedições tinham como objetivos a exploração do território, a captura de indígenas para escravização e a destruição de aldeias e quilombos.
A estátua do Anhanguera 2º tem uma postura imponente. Ele segura uma bateia – tigela usada nos garimpos – e um bacamarte – uma antiga arma de fogo. Esse monumento foi feito pelo artista plástico Armando Zago a pedido do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito de São Paulo, que o deu aos goianienses em 09 de novembro de 1942, poucos meses depois do Batismo Cultural de Goiânia. Desde então o local foi palco de movimentos políticos como as Diretas Já, os Caras-pintadas, etc. O monumento também foi alvo de pichações em protestos à valorização da história dos bandeirantes, repleta de violências.
Escrevi esse poema tendo em mente essa postura crítica à história regional e nacional, mencionando também elementos da cultura afro-brasileira. Estilisticamente também pensei na prosa poética de Jack Kerouac, da Geração Beat, caracterizada por enunciados longos, muitos conectivos e pela exaltação dos marginalizados.
Foto da chamada do post: Letícia Coqueiro.
Referências
FERNANDES, Fernando R. Bandeirantes. Infoescola, 2022.
Disponível em: https://www.infoescola.com/historia-do-brasil/bandeirantes/
PESSONI, Carolina. Monumento ao Bandeirante: de bacamarte na mão, o Anhanguera vigia Goiânia. A Redação, 25 jun. 2021.
Disponível em: https:// www.aredacao.com.br/colunas/152781/monumento-ao-bandeirante-de-bacamarte-na-mao-o-anhanguera-vigia-goiania
Como referenciar este poema?
DAMASCENO, Thiago P. M. Anhanguera. História na Medina (Poemas), 18 ago. 2022.
Disponível em: https://historianamedina.com/poema-anhanguera