Você gosta de azeite de oliva? Eu adoro, principalmente com pão, ao modo árabe! O azeite é feito por meio do processamento da azeitona, fruto da oliveira. Os usos do azeite remontam às regiões banhadas pelo mar Mediterrâneo na Antiguidade. Povos desse contexto como fenícios, gregos e romanos cultivavam oliveiras e extraíam o óleo das azeitonas, utilizando-o não só para alimentação, mas também como combustível para iluminações e como medicamentos. A cultura da oliveira se desenvolveu com outros povos conquistadores de territórios da Bacia do Mediterrâneo, como os árabes na Idade Média. Tanto é que a nossa palavra “azeite” vem do árabe “azzayt”, termo que se refere ao óleo ou suco da azeitona.
Já o início do cultivo intencional da oliveira é mais difícil de confirmar. Provavelmente ela começou a ser cultivada nas zonas mediterrânicas por volta de 4 mil anos a.C., na Idade do Bronze, período de transição da Pré-História à Antiguidade. Há estudos que dizem a que a oliveira surgiu precisamente nas regiões das atuais Palestina e Síria. Não é por menos que a oliveira é importantíssima na cultura árabe-palestina.
Cerca de metade dos territórios palestinos é ocupado por oliveiras que fornecem o sustento de muitas famílias. De 15% a 19% da produção agrícola palestina vem dessas árvores. A oliveira é uma planta de porte médio, com raízes profundas e é muito resistente, podendo ser encontrada em terras difíceis para outras árvores. Há mais de 400 espécies de oliveiras. A produção de uma árvore inicia a partir do seu 4º ou 5º ano de vida e ela pode durar de 200 a 400 anos. Com isso, o cultivo da oliveira passa de geração em geração entre as famílias, tornando-se para os palestinos um símbolo de identidade, afetividade comunitária, resistência e sabedoria.
Acredito que a importância das oliveiras para os palestinos chamou minha atenção para perceber nossas árvores, tão comuns nas paisagens urbanas e rurais que muitas vezes são negligenciadas. Após alguns anos afastado do serviço para cursar Doutorado em História (UFG), retornei ao Câmpus Anápolis. Em certo fim de tarde, já encerrando o expediente, passei pelas árvores do estacionamento e as vi como nunca havia visto antes: “Nossa, as árvores já cresceram!” – disse para dois colegas professores.
Meu período afastado coincidiu bastante com os anos da pandemia de Covid-19. Antes desse trágico período, as árvores do câmpus eram pequenas. Agora estão altas, chamam a atenção, fazem sombra. Há várias delas, comuns no cerrado, como jacarandá-mimoso, oitizeiro, acácia (muricata), limoeiro, jamelão e mungubeira.
As árvores crescidas nos mostram a passagem do tempo e servem como uma metáfora sobre a teimosia da vida: apesar da pandemia e suas perdas e do fim provisório das atividades escolares presenciais, sobrevivemos e voltamos à ativa. As árvores são testemunhas não apenas das dores e das ansiedades que vivemos, mas também da nossa resistência e das nossas reinvenções para prosseguir.
Em um país que sofre com o desmatamento, com a disseminação de ódios e notícias falsas e com a ascensão de políticos desonestos ao poder, fica fácil visualizar as árvores como focos de rebeldia, principalmente as árvores de uma escola. Estamos buscando construir um país melhor com mais empatia, respeito e prosperidade. Isso tudo passa pela Educação. Um Brasil de sucesso envolve educar crianças, jovens e adultos para que tenham autonomia de pesquisa e uma leitura crítica do mundo, além de uma formação cidadã que respeite os princípios democráticos e a formação de uma ética de construção coletiva, não de destruição do todo. Nem cabe aqui dizer o clichê de que “O futuro será construído pelos jovens”. O amanhã já vem sendo construído há tempos tanto pelos que já partiram e deixaram um legado, quanto por nós, ainda presentes, e pelos estudantes que ainda têm muito por fazer.
As oliveiras, soberanas no solo e com suas raízes ousadas resistiram e resistem ao correr fugaz do tempo e a muitos ataques. A destruição das oliveiras palestinas pelo governo israelense é só um dessas agressões. E em todo o mundo a corrida pelo desmatamento visando o “progresso” vem destruindo muitas áreas verdes. Em suma, o que acontece com as oliveiras palestinas também acontece com muitas outras árvores. Cabe aqui o alerta de um provérbio indígena bastante citado: “Somente quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe, poluído o último rio, que as pessoas vão perceber que não podem comer dinheiro”.
Na crescente extinção do Verde, cada árvore é uma mensagem de “Hoje não”. Comparando a Educação e as ciências a árvores resistentes, também devemos dizer hoje não para os desmontes no ensino público, hoje não para a difamação de nós, cientistas e educadores, e hoje não para a construção de um país de intolerância, medo e ignorância. As árvores da Educação e das ciências, quando cultivadas com o devido cuidado, poderão crescer e florescer com seus frutos, destacando-se na paisagem e sombreando nossas angústias e medos, mas também e, principalmente, vicejando nossos esforços em prol de uma país melhor.
Toda árvore de pé sobreviveu a muita coisa para crescer. Que sejamos então resilientes como elas, plantando sonhos na terra e colhendo projetos construtivos.
Que 2023 seja um ano de crescimento e criatividade!
*Crônica publicada originalmente e em versão reduzida na Revista Radar IFG, Ano 01, Edição nº 02, 15 dez. 2022.
Referências
ALVES, Joe. O Azeite na Cozinha e na Saúde. Mercado em Casa, 29 set. 2015.
Disponível em: https://www.mercadoemcasa.com.br/blog/studio-mc-1/o-azeite-na-cozinha-e-na-saude-4
DIAS, Marli Barros. Oliveira Israelenses e Palestinas: Tradição, Apuro e Resistência. Ceiri News, 07 jun. 2013. Disponível em: https://ceiri.news/oliveiras-israelenses-e-palestinas-tradicao-apuro-e-resistencia/
FARHAT, José. Apontem os inimigos das oliveiras. Instituto da Cultura Árabe, 13 nov. 2013.
Disponível em: https://icarabe.org/artigos/apontem-os-inimigos-das-oliveiras
Como referenciar esta crônica?
DAMASCENO, Thiago P. M. As Árvores Já Cresceram. História na Medina (Crônicas), 23 dez. 2022.
Disponível em: https://historianamedina.com/cronica-as-arvores-ja-cresceram