Como moramos no país do futebol, foi comum a presença marcante do esporte mais popular do mundo em nossas infâncias por meio de torneios nacionais, Copas do Mundo ou “peladas” nas ruas. Mas quando o futebol surgiu? Como ele afetou os nossos primeiros anos de vida?
O futebol foi criado pelos ingleses no século X como uma comemoração da expulsão dos dinamarqueses do país. Nessa época, a ideia era apenas chutar uma bola de couro rústica por cima da cabeça de um soldado inimigo. Mas como qualquer outra criação cultural, a prática do futebol variou no decorrer do tempo.
Do século XVII ao XIX as regras foram estabelecidas e o esporte se popularizou da Inglaterra para o mundo. Aqui no Brasil, chegou no século XIX com Charles Miller (1874-1953), paulistano filho de um escocês com uma brasileira descendente de ingleses. Em 14 de abril de 1895 Miller organizou a primeira partida de futebol conforme as regras da Inglaterra. Isso aconteceu na Várzea do Carmo, na região do Brás, na Grande São Paulo. Dali em diante o esporte foi ganhando o país, inclusive nos interiores nordestinos, onde nasci.
A ideia para esta crônica veio a mim dias atrás quando comprei uma bola de futebol com intenções cenográficas: sua função foi e será apenas aparecer nas fotos e vídeos que estou fazendo sobre a Copa do Mundo no Qatar. Vendo de fora, foi uma simples compra para uma estratégia de produção de conteúdo. Mas no meu interior, assim que segurei aquela bola, vieram à tona memórias da infância.
Tive o privilégio de nascer e crescer numa cidade do interior do Maranhão nos anos 1990. Falo “privilégio” não como um saudosista romântico, mas com motivos bem definidos. Acredito que a vida interiorana na década de 1990 era mais saudável para as crianças, pois o uso cotidiano de tecnologias visuais era menor, se limitando às TVs, e tínhamos mais liberdade, percorrendo a cidade de bicicleta e brincando na rua e, claro, jogando futebol. Isso tudo colaborou para um desenvolvimento cerebral proveitoso, com o desenvolvimento de habilidades motoras e com o exercício da intuição, pois brincar na rua exige esperteza, improvisação, criatividade, o tal do ziriguidum e todo um jogo de cintura.
“Jogar futebol” é um termo muito técnico e chic. Nós falávamos “jogar bola”. Passei boa parte da infância jogando bola nas ruas e calçadas da cidade, em quadras de escolas abandonadas, em terrenos baldios e também na quadra da minha escola, quando me tornei goleiro de futsal.
Já adulto, quando ouvi a música Fazendo música, Jogando Bola do Mestre Pepeu Gomes, me senti representado: “Foi vivendo dessa maneira – fazendo música, jogando bola – que aprendi a brincadeira, fazendo música, jogando bola, como todas as crianças que nada sabem, que sabem tudo”. Enfim, essa música sintetiza bem o espírito de malandragem típico das crianças que brincaram nas ruas.
E no meu caso (e de tantos outros), muito suor e sangue já foram derramados durante os jogos. O sangue veio do “tampo do dedo”, ou do canto da cabeça do dedão do pé, que era comum ser arrancado devido ao atrito do corpo com o asfalto ou com blocos da rua ao chutarmos as bolas.
Lembro de uma vez que isso aconteceu e corri para a casa da minha avó para fazer um curativo rápido. Afinal de contas, o jogo não poderia parar por muito tempo, senão iria acontecer o Juízo Final e, em pouco tempo, teria uma partida do Brasil numa copa. Acho que era a de 1998.
Cá estou eu então, no presente, pensando no passado, que se projeta no futuro. E nesse fluxo temporal o fio condutor é o futebol. Apesar da derrota do Brasil, entrei naquele clima de copa, como tinha na infância, onde tudo era um auê só, um ôba-ôba. Pena que dessa vez não levamos o hexa, esse sonho antigo que torcemos para que se realize em 2026.
Referências
FRANCO, Giullya. História do Futebol. Brasil Escola, 2022.
Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/educacao-fisica/historia-do-futebol.htm
FRAZÃO, Dilva. Charles Miller. E-Biografia, 2022. Disponível em: https://www.ebiografia.com/charles_miller/
Como referenciar esta crônica?
DAMASCENO, Thiago P. M. Futebol e Infância. História na Medina (Crônicas), 15 dez. 2022.
Disponível em: https://historianamedina.com/cronica-futebol-e-infancia