Historiador de formação, filósofo de boteco e ansioso de carteirinha como sou, sempre penso nas tragédias do mundo. Acho que ando pensando nisso até demais, inclusive. Mas como não pensar quando o Apocalipse deixa de ser apenas um livro e passa a ser uma realidade cotidiana plausível? Quem leu minhas crônicas anteriores sabe que os moradores de rua, cujo número cresce a olhos vistos, são personagens recorrentes aqui nas minhas tramas textuais. Esse é um exemplo das tragédias sobre as quais penso.
Mas hoje quero comentar sobre o novo problema global, o nosso mais novo vilão: o coronavírus. E baseado nisso, comentar também o que chamo de “ridículo do mundo”, pois o coronavírus é um bom “exemplar” para mostrar esse ridículo porque ele é o inimigo em comum de todos. Não há país que o queria em suas fronteiras. Não há quem o queria em seu corpo. Não há manifestação política de cidadãos histéricos – convocada por um despresidente – que resista a ele. E isso tudo mostra o quanto nossas vidas, nossas culturas, nossas vaidades e desejos são montagens, fragilidades, enfim, coisas que podem ser desfeitas, desmanteladas.
E tenho comigo que tudo que pode ser desmantelado é, em essência, muito idiota, pueril, risível, em suma, ridículo. Ou talvez minha percepção das coisas esteja exagerada, enganada e, por que não, ridícula? Mas vamos lá… Peguemos como exemplo a manifestação política dos cidadãos histéricos. Vocês sabem qual é, é aquele ensaio de golpe político marcado para o 15 de maio.
Essa turma toda é bem exaltada, com emoções à flor da pele e cheios de certezas com seus argumentos que, na cabeça enganada e doentia deles, fazem sentido. Pois bem, tudo isso faz parecer que eles são bem convictos do que querem e do que farão. Eles dão a entender que levarão tudo isso até as últimas consequências! Mas não… levam isso apenas até aparecer um novo vírus. E sob ordens do líder de tudo, que dias atrás tinha debochado do vírus e dito que não havia convocado nada.
Para quê coisa mais ridícula que isso?!
Citei esse exemplo porque ele é o mais notável neste momento nacional. Mas o ridículo do mundo também é percebido em momentos mais “genéricos”, como tarde da noite. Vejamos outro exemplo.
Um dia desses acordei de madrugada com a cabeça doendo e fui à cozinha pegar água para tomar um comprimido. No sossego da escuridão e do silêncio daquele momento, percebi o ridículo do mundo. Como assim? Ora, o mundo estava parado!
Parecia que todo mundo tinha parado para dormir, desde os bandidos de esquina aos políticos maléficos às novas pragas biológicas. Eu sei, eu sei… meu campo de visão no momento era limitado: a minha rua, o mundo logo depois da minha janela, etc. Mas acho que o episódio exemplifica o pensamento: tudo que pode ser pausado, adiado, reformulado ou mudado é passível a ser ridículo. Acho que eu levaria o mundo e as pessoas mais a sério se nada parasse ou mudasse, se ninguém dormisse, se ninguém pausasse para pregar os olhos, para tomar um ar. Nessas horas, consigo até imaginar, no passado, o demônio do Adolf Hitler dormindo. Pense nisso: um tirano daquele dormia, ficando vulnerável igual a um bebê. Um tirano vulnerável é um tirano ridículo!
Resumindo o meu pensamento nesta crônica: Todo mundo quer matar um ao outro até aparecer um inimigo em comum. Todo mundo se leva muito a sério até aparecer um novo vírus. Todo mundo sabe de tudo até o Google sair do ar.
Em essência, somos frágeis, quebrados, ridículos. Logo, o mundo que criamos também.
Como referenciar esta crônica?
DAMASCENO, Thiago P. M. O Ridículo do Mundo. História na Medina (Crônicas), 14 mar. 2020.
Disponível em: https://historianamedina.com/cronica-o-ridiculo-do-mundo