Crônica: Papinho de Coach

6 de janeiro de 2022 d.C. O Corpo de Bombeiros de São Paulo resgatou 32 pessoas e 1 coach do Pico do Marins, na Serra da Mantiqueira, formação a mais de 2 mil metros acima do nível do mar. O intrépido grupo de aventureiros vencedores na vida foi obrigado a paralisar sua heroica jornada por conta da chuva com fortes ventos. Ninguém se feriu, mas se os bombeiros não tivessem interferido, os guerreiros do amanhã morreriam de hipotermia. Claro que o caso virou notícia.

Pico do Marins, na Serra da Mantiqueira.
Pico do Marins, na Serra da Mantiqueira.

Por que raios essas pessoas se arriscaram assim? Triste resposta simples: Porque caíram em papinho de coach que comparou uma escalada irresponsável (sem treinamento e equipamentos) ao tal “subir na vida”.

É sobre os papinhos de coach que falaremos nesta crônica.  

Há bons e maus profissionais em qualquer área e no ramo coach não é diferente. Infelizmente há os que se aproveitam do aparato mercadológico capitalista e do emocional debilitado das pessoas para ganhar grana e fama. Dentre os aparatos mercadológicos capitalistas estão as ideias de que “Todos podem conquistar o seu lugar ao Sol!” e de que “Conquistas são méritos, você colhe o que você planta!”.

Pois bem, venho das zonas sombrias das Verdades Desagradáveis da Vida para dizer que: não, infelizmente nem todos podem conquistar tudo. No modo de produção capitalista o Sol não é para todos. E nem tudo é uma questão de meritocracia. Os contextos sociais e culturais fazem parte da vida de todos. Há mil e uma forças e contra forças influenciando nos rumos que seguimos. Não podemos afirmar, com o orgulho cafajeste de alguns coachs, que um negro que mora periferia tem as mesmas chances e oportunidades que um branco de classe média ou alta. E mais uma coisa importante: não, nem sempre colhemos o que plantamos. A existência humana não é regida pela lei da ação e reação devidamente proporcionais. Muitas vezes o caos e o imprevistos tomam de conta.

Munidos dos aparatos que falei, há coachs irresponsáveis que trabalham em cima dos emocionais abalados de pessoas, fazendo com que elas acreditem piamente em meias verdades ou até mesmo em mentiras floreadas com frases curtas, objetivas e de efeito.

 Atualmente, nas redes sociais, é comum (e brega) que essas frases tenham como fundo fotos de atores sisudos e viris, esbanjando uma aparente seriedade, competência e sucesso. Nesse processo, esses coachs sintetizam toda a complexidade da vida em algumas palavras. Venho novamente das zonas sombrias das Verdades Desagradáveis da Vida dizer que não há livro, religião, filosofia ou ciência que dê conta da vida inteira de todo mundo em qualquer lugar e tempo com suas inumeráveis influências, caminhos, desvios, acertos e desacertos. Nossas civilizações serão extintas sem dar conta disso. A vida é bem maior do que pensamos e vivemos.

E tudo bem. Nem tudo se resume a conquistar sentidos e tudo que quisermos. Até mesmo porque nossos desejos nunca terminam. E se terminassem, o que seriam das nossas vidas?

Como humanos, temos uma inteligência única que nos permite perceber a nós mesmos como seres dotados da capacidade de dar sentido a nós e ao que fazemos. E esse existir humano não se satisfaz plenamente com qualquer coisa ou mesmo com tudo. É como se fôssemos maiores que nós mesmos e que nossos desejos. É um paradoxo angustiante. A fonte do querer nunca cessa e por isso mesmo que fomos, somos e seremos eternos insatisfeitos. Como cantava o sábio Belchior na música Dandy: “Nenhum supermercado satisfaz meu coração”.

Se nenhum supermercado nos satisfaz, imagine um papinho de coach. Isso é uma verdade dura e desagradável, mas quanto antes for aceita, melhor. A incompletude, as derrotas, as angústias e as tristezas também fazem parte da vida. Por isso, minhas caras e meus caros leitores, cuidado com os coachs irresponsáveis. Não caiam em ideias de projetos megalomaníacos que prometem o mundo inteiro em X meses ou X dias. Não se deixem levar por frases de efeito ou mesmo por trechos da Bíblia tomados de forma isolada e usados de modo canalha. Isso é pobre e brega é um insulto às riquezas históricas e culturais da Bíblia ou de qualquer sabedoria genuinamente religiosa e filosófica. Não caiam em conversas fiadas que dizem que correr riscos hoje é sinônimo de colher sucessos no futuro. Nem tudo se alcança e nem tudo nos basta. E de novo: tudo bem. Coisas da vida.

Cuidem bem dos seus dinheiros e saúdes físicas e mentais. Procurem ajuda competente e com formação. Psicólogos e/ou psiquiatras para os casos mentais e emocionais, empresas e consultores financeiros para assuntos de dinheiro. Se for enveredar pela religião, cuidado com os charlatões golpistas. No mais, desconfie das frases de efeito, das grandes promessas em curto tempo e da breguice. Vale aqui a velha sabedoria popular: “O seguro morreu de velho”.

E cuidado também com motivações extravagantes. Segure a sua onda para não fazer besteira como escalar um pico perigosíssimo sem os devidos cuidados. Como diz um meme: “Todo cadáver encontrado no Everest já foi alguém motivado, proativo e fora da sua zona de conforto”.

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Como referenciar esta crônica?

DAMASCENO, Thiago P. M. Cultura Medicinal Popular. História na Medina (Crônicas), 11 jan. 2022.

Disponível em: https://historianamedina.com/cronica-papinho-de-coach  

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