“… E todo mundo explica tudo, como a luz acende, como um avião pode voar…”. Assim cantou mestre Raul na engraçadíssima Eu Também Vou Reclamar. Hoje nesta crônica me concedo o direito de ser herdeiro dessa postura e reclamar dessa onda atual de cursos para tudo que é coisa.
Vocês sabem do que estou falando: é só entrar nas redes sociais que somos atacados por alcateias de cursos, que vão de desenho realista à edição de fotos passando por como ser um dog walker. E no meio disso tudo tem aqueles que prometem nos ensinar a como ganhar mundos e fundos de dinheiro com isso ou aquilo. Nessas horas fico sabendo que tem tanto dinheiro oculto no mundo esperando por um dono que chego a questionar se vivo mesmo no capitalismo.
Brincadeiras à parte, não estou reclamando de um ofício em específico. As pessoas têm o direito de vender seus produtos e serviços. Estou reclamando é da oferta exagerada e, principalmente, sensacionalista de cursos ensinando a fazer dinheiro, a ficar milionário antes dos 50, do mil ao zilhão, etc. A Internet permite o compartilhamento de saberes, mas quem disse que quero saber de tudo? E outra: quem disse que quero tudo mastigado?
Como professor no YouTube, mastigo conteúdo para a minha audiência, mas também deixo referências para uma pesquisa além por parte dos próprios espectadores. Essa busca própria e autônoma que leva ao estudo autodidata é muito importante no processo de ensino-aprendizagem. Claro que essa atividade também depende do acesso à escolaridade formal das pessoas. Então aqui me refiro a quem teve essa oportunidade. Esclarecido isso, confesso que tem horas que quero construir o conhecimento, procurando, testando, suando a camisa.
Lembro de quando peguei uma receita de pizza no YouTube. Não acertei de primeira e varei madrugada adentro até acertar a massa, testando e experimentando. Após produzir duas maçarocas, acertei a massa na terceira vez. Estava cansado, mas ao final do processo, adorei aquilo. Foi como se eu tivesse inventado a pizza! A gastronomia italiana estava garantida enquanto eu vivesse!
Atualmente, preza-se muito por tudo já mastigado e entregue, como se diz, “de mão beijada”. Isso é bom, mas apenas isso não é bom. Também é bom se aventurar, se arriscar, procurar aprender sozinho, por conta própria. Sair de casa sem GPS só para ter o prazer de ver até onde as ruas da cidade podem te levar, apreciar a vista sem o desejo de chegar a algum lugar específico, sem objetivo final. Experimentem apreciar o meio das coisas, não o seu fim. Em muitos casos, é mais prazeroso o durante, e não o finalmente. Como canta o uruguaio Jorge Drexler em La trama y el desenlace: “Ir e voltar, seguir e guiar, dar e receber, entrar e sair do ritmo, amar a trama mais que o desenlace”.
A música citada de Raul Seixas também tem esse trecho: “Ligo o rádio e ouço um chato que me grita nos ouvidos: ‘Pare o mundo, que eu quero descer!’”. Pois é, estou virando essa pessoa cansada de certas ofertas mundanas em excesso, cansaço de todo mundo explicando tudo. Desculpe, mestre Raul, mas tem horas que quero que o mundo pare para eu descer para poder fazer algumas coisas por conta própria, no meu tempo e sem metas.
Como referenciar esta crônica?
DAMASCENO, Thiago P. M. Todo Mundo Explica Tudo. História na Medina (Crônicas), 09 fev. 2022.
Disponível em: https://historianamedina.com/cronica-todo-mundo-explica-tudo