Crônica: Trabalhar Não é Mandamento Divino!

Trabalhar não é mandamento divino, é castigo! Entenda lendo esta crônica.

Era um típico fim de tarde quando fui até uma vendedora, instalada em uma calçada no centrão de Goiânia, comprar queijo e algumas frutas. Enquanto eu escolhia, um senhor parou ao lado da banca, observou tudo e, em seguida, falou à vendedora:

– Só ralando, né? Batalhando… Isso aí! Deus ajuda quem trabalha! Foi assim que ele mandou lá no Livro! Do suor do teu rosto comerás!

Depois, ele seguiu sua vida.

Achei engraçado o tom pomposo de sua voz ao falar aquele discurso e o brilho do seu olhar para a vendedora, como se o simples ato de trabalhar, por parte dela, fosse consertar todas as mazelas do mundo. Aos olhos daquele senhor, a vendedora estava envolta por uma aura de santidade e salvação. Ela era a Nova Messias. Contrariando o que está escrito na Primeira Epístola de São João, 5: 19, o mundo não ficaria mais sob o poder do Maligno, pois ali estava uma mulher genuinamente trabalhadora para nos salvar.  

Também chamou minha atenção a interpretação daquele senhor acerca da mensagem bíblica sobre o trabalho, interpretação essa que já vi ser defendida por outras pessoas em outros contextos. Nesse modo de entender a Bíblia, muitos consideram o trabalho como um mandamento divino, a exemplo dos 10 Mandamentos das tábuas de Moisés. Nada mais equivocado! Essa interpretação não tem sentido quando se lê o texto bíblico com profundidade. O capítulo 3 do livro de Gênesis relata que, após comerem o fruto da árvore do meio do Jardim do Éden, Adão e Eva percebem-se nus, sem suas típicas inocências. Ao perceber o ocorrido, Deus puniu a serpente e o casal primordial, dizendo a Adão o seguinte:

“(…) Porque escutaste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te proibira comer, maldito é o solo por causa de ti! Com sofrimentos deles te nutrirás todos os dias de tua vida. Ele produzirá para ti espinhos e cardos, e comerás a erva dos campos. Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás”. (Gênesis 3: 17-19).

É mais coerente interpretar que essa passagem mítico-religiosa transmite a ideia de que o trabalho foi uma punição, um castigo à Humanidade devido à sua desobediência às ordens divinas, levando à expulsão Homem e da Mulher do Paraíso, local em que não havia nenhum tipo de sofrimento, onde o trabalho para a sobrevivência não era necessário.

Além disso, a depender das diabólicas reformas trabalhista e previdenciária, nós, brasileiros, seremos ainda mais expulsos do nosso “Paraíso tropical”, sendo cada vez mais e mais castigados com um modo de trabalho precário, mal remunerado e carente de direitos.

Que Deus nos ajude!

Referência

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Português. Bíblia Sagrada. 1. ed. São Paulo: Paulus, 2002.

Como referenciar esta crônica?

DAMASCENO, Thiago P. M. Trabalhar Não é Mandamento, é Castigo Divino! História na Medina (Crônicas), 15 jul. 2019.  

Disponível em: https://historianamedina.com/cronica-trabalhar-nao-e-mandamento

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