Poema: Mangueiras

Quando deito os meus olhos

no rastro da sombra das mangueiras

o passado me retorna

como música seresteira

Dentre os tons e sons de tempos idos

permanece uma presença criança

de alma telúrica e corpo sideral

embalada por afetos nunca esquecidos

Com a sapiência de Oxóssi

e o desassombro de São Jorge

caço a mim mesmo com flecha certeira

aventando entre águas mansas e morros augustos

que cheiram a saudades e ribanceiras

Nas ribanças sou menino, leve feito vento

Nas saudades sou homem feito, pesado em lamentos

E são dois olhares que se cruzam

duas mãos que se encontram

duas forças que se abraçam

e da penumbra renasço Eu

Sendo Eu e ao mesmo tempo Outro

sou aquele que alumia o escuro

desbravador das veredas do Tempo

peregrino entre presente, passado e futuro

Cansado então retorno

à majestade das mangueiras

verdes brilhantes em seus transes tropicais

murmuradoras de saberes ancestrais

no azulaço de tardes aventureiras

Sedento então me deito

nos frescores das mangueiras

sombreadoras do meu sertão interior

porque tudo que me é sentimento

se torna pé de planta a vicejar  

E a viagem da qual cheguei ontem

só abriu sua vereda hoje

pois meu passado não é terra estrangeira:

é terra minha, é terra amiga, é mão amiga

é mão que balança o berço

e berço que adormece o mundo

E quem me dera adormecer

desde sempre e para todo antes

em uma quente tarde carolineira

aquietando todo o meu ser

no afago da sombra das mangueiras

Comentando Mangueiras

Neste final de 2022 posto um dos primeiros poemas que concluí neste ano. Com Mangueiras concorri no I Concurso de Poesia do Sertão Carolinense, realizado entre janeiro e fevereiro de 2022, organizado pela empresa Sertão Carolinense em parceria com o Consórcio Estreito Energia (CESTE), o Museu Histórico de Carolina e a Associação dos Carolinenses e Amigos (ASCAM). Não venci o concurso, mas fiquei muito contente de participar de uma competição artística da minha cidade natal, Carolina, no sul do Maranhão.

Segundo as regras do concurso, os poemas deveriam abordar Carolina. Logo, pensei: Por onde começar? Como escrever sobre a cidade onde nasci e fui criado?

Minha primeira inspiração foi a música Ladeiras, do mestre Alceu Valença. A partir desses locais comuns em Recife, o músico evocou sentimentos e momentos marcantes:

“Eu lembro daquela menina subindo ladeiras

ladeiras de frevo e preguiça da velha Marim

ladeiras tão carnavalescas, escorregadeiras

que na terça-feira jogaram você sobre mim”

Lembrei então que algo bem comum em Carolina são as mangueiras. A cidade é repleta delas. Há algumas centenárias, inclusive. Então parti das evocações emocionais que as mangueiras me causam. Assim, escrevi uma espécie de epopeia pessoal cuja jornada começa e termina na “sombra das mangueiras”, tão refrescantes nas tardes azuis e quentes da cidade. Com isso, passado, presente e futuro se entrecruzam.

Mangueiras na Avenida Getúlio Vargas (Carolina-MA).
Mangueiras na Avenida Getúlio Vargas (Carolina-MA).

Nesse percurso, as imagens e lembranças da infância vieram à tona, semelhante ao romantismo de Casimiro de Abreu (1839-1860) no poema Meus Oito Anos. Contudo, coloquei um pouco de sincretismo religioso ao citar Oxóssi (talvez meu orixá) e uma de suas versões católicas, São Jorge. Também usei o que ouso chamar de psicodelia tropical ou psicodelia sertaneja na viagem pelo Tempo e pelos sentidos que o eu-lírico (o sujeito do poema) fez, como quando disse que as mangueiras estavam “verdes brilhantes em seus transes tropicais”.

Para expressar essa viagem temporal – de corpo, alma e consciência – também me inspirei em um ditado iorubá que diz o seguinte: “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”. Esse paradoxo maravilhoso e tão tocante foi expresso nos versos “E a viagem da qual cheguei ontem só abriu sua vereda hoje”. Nem sempre a razão dá conta de tamanhos fluxos de existência, pensamentos e rememorações, por isso recorri às emoções e aos estados de consciência pouco convencionais, por isso a psicodelia sertaneja em pleno interior do Maranhão.

Ao fim, o eu-lírico adormece e morre na sombra das mangueiras, realizando a etapa final da sua desejável jornada de autoconhecimento.

*Crédito da foto deste post e da chamada: New Center Hotel.

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DAMASCENO, Thiago P. M. Mangueiras. História na Medina (Poemas), 26 dez. 2022.

Disponível em: https://historianamedina.com/poema-mangueiras

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