Poema: Quase Rapei Minha Cabeça

Disseram que meu cabelo

estava grande demais

sujo demais

bombril demais

jamais suficientemente bonito

e quase rapei tudo

Disseram que minha cabeça

estava pensante demais

africana demais

livre demais

jamais suficientemente inteligente

e quase rapei tudo

Disseram que minha mente

estava viajando demais

sonhadora demais

maculelê demais

jamais suficientemente digna

e quase rapei tudo

Se não fosse por Zumbi, Ben Jor, Davis,

Dandara e outros gênios indomáveis

eu teria rapado minha cabeça

Se não fosse o peso do passado nos meus ombros

projetando as veredas do futuro a custo de suor e sonhos

eu teria rapado minha cabeça

Um dia desses libertei o medo

para que ele fosse morar

em outras senzalas

e deixei meu cabelo crescer  

Um dia desses sabotei o engenho

e dei uma queixada

no capitão do mato

e deixei meu cabelo crescer

Hoje em dia penso

no quão escravizado

me deixei ser

quando disseram aquilo tudo

e quase rapei minha cabeça

Então prometi a todos que somos

manter a cabelereira acesa

Devo isso a muitos de antes

a vários de agora

e a incontáveis de amanhã

Comentando Quase Rapei Minha Cabeça

Uma das inspirações para o título e conceito desse poema veio da canção Almost Cut My Hair, de Crosby, Stills, Nash e Neil Young, do álbum Déjà Vu (1970). A canção fala da rebeldia masculina de deixar o cabelo crescer nos anos 1960/1970. As demais inspirações são o meu cotidiano de pesquisador e a cultura afro-brasileira, incluindo minha autoafirmação como negro lá pelos idos de 2016, quando entrei no Mestrado em História na Universidade Federal de Goiás (UFG). Nesse mesmo ano comecei o História na Medina no YouTube e, claro, passei a deixar meu cabelo crescer.

Para saber mais sobre o Novembro Negro e o Dia Nacional da Consciência Negra, leia nesse post do Instagram.

E você, quando resolveu deixar sua cabeleira acesa?

Como referenciar este conteúdo?

DAMASCENO, Thiago P. M. História na Medina (Poemas), 22 nov. 2022.

Disponível em: https://historianamedina.com/poema-quase-rapei-minha-cabeca

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